Em uma tarde no fim de março, o epicentro do mercado de tecnologia em São Francisco deslocou-se de empresas como a Apple ou o Google para um tribunal no centro da cidade. Ali, a executiva americana Ellen Pao movia um processo contra o Kleiner Perkins Caufield & Byers, um dos fundos mais tradicionais do Vale do Silício, com aportes na Amazon e no Twitter. Dona de uma carreira brilhante, formada pelas universidades de Princeton e Harvard, Ellen era sócia do Kleiner. Na Justiça, alegou ter sido prejudicada nos sete anos em que trabalhou no fundo. Por um motivo singular: ser mulher. Apresentando documentos, afirmou que só os homens que trabalhavam no fundo eram convidados para viagens de trabalho. Ela pedia, na Justiça, uma indenização de US$ 16 milhões. O fundo negou as acusações e alegou que Ellen fora demitida do cargo, cuja remuneração anual batia nos US$ 560 mil, por não ter as “habilidades interpessoais e de liderança necessárias para ter sucesso”.
O mercado de tecnologia prendeu a respiração quando os jurados chegaram a um veredicto. O fundo foi absolvido. Mas a derrota de Ellen não resolveu o assunto. Ao contrário. O debate ganhou o mundo. A ação tocou no nervo exposto do mercado global de tecnologia. Ocupado em criar carros autoguiados, drones e smartphones cada vez mais espetaculares, o setor parece incapaz de resolver uma questão tão antiga quanto urgente – a baixa participação feminina. Nas salas da faculdade de engenharia ou nas divisões mais técnicas das gigantes do setor elas são sempre minoria. As que entram no mercado de trabalho recebem menos e enfrentam dificuldades que suas contrapartes masculinas não têm, como a desconfiança.
Quando o assunto vem à tona, são sempre lembradas, para minimizar o problema, a diretora de operações do Facebook, Sheryl Sandberg, e a CEO do Yahoo!, Marissa Mayer. Elas são exceções. A verdade é que o mercado de tecnologia é ainda mais restritivo a mulheres do que empresas de outros setores. Entre as companhias do S&P 100, o ranking com as maiores empresas do mundo compilado pela agência de risco Standard & Poor’s, 20% delas têm, pelo menos, uma diretora. No Vale do Silício, o mesmo acontece só com 10% das empresas. Ao descer na cadeia hierárquica, o problema persiste. No Google, 30% dos funcionários são mulheres. Se levarmos em conta a divisão mais importante, a de engenharia, a relação é menor: 17%. No Brasil, encolhe ainda mais. Somente 10% dos engenheiros no centro de engenharia de Belo Horizonte são mulheres. Não é um problema isolado. A mesma relação desigual entre homens e mulheres acontece no Facebook (31% são mulheres), na Apple (30%) e no Twitter (30%). Para piorar, só 10% dos aportes financeiros são feitos em startups comandadas por mulheres, segundo estudo da Harvard Business School.
A diferença técnica entre homens e mulheres explicaria esse buraco? “Definitivamente, não”, diz Berthier Ribeiro-Neto, líder do laboratório de engenharia do Google na América Latina, um dos únicos com permissão a alterar o algoritmo de busca do Google. A qualidade é igual. O problema, observam especialistas, em uníssono, é cultural. Começa na infância. O computador virou um brinquedo de meninos. Não à toa, metade das famílias americanas coloca o PC doméstico no quarto do filho, segundo o livro Unlocking the Clubhouse: Women in Computing (“Entrando no clubinho: mulheres na computação”, em tradução literal), da pesquisadora. Jane Margolis.
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